sexta-feira, 5 de junho de 2009

A verdade que não interessa aos mandatários do futebol de São Paulo!

Nação,

Reproduzo abaixo, pedindo licença a autora, brilhante texto da jornalista Leonor Macedo, corinthiana de arquibancada, relatando a verdade sobre os tristes fatos que ocorreram na quarta-feira passada, que causou a morte de um corinthiano.
Publicado no blog da Yule, no globo.com, esse texto é leitura obrigatória para toda a Fiel e para povo brasileiro, que é tratado como lixo pelas autoridades e classe política, que reinventam a história da forma que melhor lhes convém.
Promotor Paulo Castilho, se o sr. já teve acesso a esse texto, reflita sobre o seu papel na violência desmedida que acontece em São Paulo.



O papel de cada um
por Leonor Macedo

Do blog da Yule - globo.com

Quando o William foi incendiado por faíscas de sinalizadores e papéis picados, resultado de uma equação bem simples e capaz de ser prevista até por uma criança ainda bem pequenina, boa parte da imprensa sorriu. Achou curioso - para não dizer engraçado - que diante de um Pacaembu lotado, o capitão do time campeão paulista de 2009 pegasse fogo ao lado do Ministro dos Esportes Orlando Silva, do Secretário de Esportes da Cidade de São Paulo Walter Feldman e do presidente do clube Andres Sanchez. E, mais uma vez, limitou-se a resumir o fato somente em manchete e noticiou-o em duas linhas como se fosse um acidente casual.

Ao atear fogo no ônibus da torcida do Vasco ontem, 03/06, os torcedores corinthianos conseguiram uma atenção pouco maior por parte dos jornalistas. Digo pouco porque, apesar de ter sido massacrada com notícias sobre o fato em todos os veículos de comunicação, nenhum jornalista buscou, novamente, saber o que aconteceu na noite de ontem.

Li um promotor discursar sobre uma possível emboscada de corinthianos, associados aos Gaviões da Fiel e pertencentes ao movimento da Rua São Jorge, preparados para pegarem a torcida do Vasco na Ponte das Bandeiras. Ouvi a polícia dizer que nos quatro carros que acompanhavam o ônibus das pessoas da Rua São Jorge havia barras de ferro e uma espingarda de calibre 12. Vi a Ana Maria Braga gritar com um papagaio falante ao seu lado que “aquilo não era torcedor, mas um bando de marginal e vagabundo”.

E precisei de três ou quatro telefonemas para tentar ouvir quem nunca é ouvido. Alguém que, infelizmente, é sempre um de nós.

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Quando o Mandioca me procurou na arquibancada ontem, no intervalo do jogo, e me disse que havia ocorrido um confronto entre torcedores da Rua São Jorge e torcedores do Vasco, eu busquei com os olhos algum amigo integrante do movimento. Achei e perguntei se ele tinha alguma informação.

- Estou esperando alguém me dar notícias, mas há bastante gente ferida porque o negócio foi feio. Parece que houve um tiroteio.

Vi as lideranças das torcidas conversando próximas ao alambrado até o intervalo do segundo tempo. Senti um clima tenso, pesado, frio, preocupado e preocupante. Mais do que já estava naquela noite gelada de outono, de uma semifinal vencida por 0 a 0 em uma partida mal disputada.

Ao sair, esmagada por uma multidão desorganizada, peguei uma carona com um amigo. Ligamos o rádio e ouvimos que havia um ônibus da torcida do Vasco incendiado do lado de fora do Pacaembu em represália à morte de um torcedor corinthiano na Marginal Tietê.

Cheguei a minha casa e as primeiras informações já estavam na internet: emboscada, briga, tiro, espancamento, fogo, ônibus, nada. Liguei para dois ou três amigos que provavelmente estariam no ônibus de corinthianos da Marginal, já que eles são lideranças do Movimento Rua São Jorge e costumam sair do Corinthians em dia de jogo até o Pacaembu. Nada mais coerente. Nenhum atendia ao telefone. Dormi mal e preocupada.

Quando acordei, as notícias eram as mesmas. Exatamente nada apurado. Liguei o MSN e encontrei um amigo que havia visto ontem no estádio:

- Está sabendo de alguma informação?
- Sim. Saí do jogo e fui ao PS de Santana, para onde foram levados os torcedores feridos. O torcedor morto não foi reconhecido. Foi encontrado pelado, só de cueca, na Praça Campo de Bagatelle, sem nenhum documento e desfigurado.
- E o que aconteceu?
- 15 ônibus do Vasco cruzaram com um do Corinthians na Marginal Tietê.

Difícil acreditar que torcedores de um ônibus do Corinthians fizessem emboscada para 15 ônibus com torcedores do Vasco. Nem toda a falta de bom senso do mundo atropelaria essa matemática.

Depois falei de novo com o Mandioca, que tinha conversado com o Sid, que tinha falado com o Gabriel, todos tentando encontrar alguma informação do que aconteceu, de algum amigo ferido, morto.

O Gabriel não tinha conseguido entrar no estádio porque um dos meninos que estava com o ingresso dele também estava no ônibus da Rua São Jorge, indo para o Pacaembu. Às 21h50, horário em que começaria o jogo, ele ligou para esse amigo:

- Pô, são 21h50. Cadê você com meu ingresso? O jogo está começando.
- A polícia parou a gente para uma revista aqui na frente do Clube Esperia. Acho que já já eu to aí. Peraí, mano, putaquepariu!!!!! Peraí que os caras da Força Jovem estão correndo para cima da gente.

E desligou o telefone. O Gabriel não entendeu bem o que tinha acontecido e continuou na porta do estádio, na esperança de conseguir o seu ingresso e entrar para ver o jogo. Um tempo depois, apareceram de táxi algumas pessoas que estavam na briga para contar o que tinha acontecido. Pareciam zumbis, inchados, cortados, com os agasalhos encharcados de sangue.

- Quem conseguiu escapar está aqui. Quem não conseguiu, está preso ou foi parar no hospital - disse um deles para o Gabriel.

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Depois li na internet o promotor declarando que a emboscada já estava armada há muito tempo. Que na quarta-feira de manhã ele já tinha recebido uma denúncia e que a torcida do Vasco tinha proposto deixar os ônibus nas sedes da TUP e da Mancha Verde, organizadas do Palmeiras e que são co-irmãs da Força Jovem, como eles gostam de dizer. Mas que a promotoria e a polícia não tinham aceitado porque, no trajeto a pé ao Pacaembu, haveria enfrentamento entre torcedores.

Ficou decidido que ao chegar a Guarulhos os ônibus da torcida do Vasco receberiam escolta policial até o Pacaembu, fazendo o caminho pela Marginal Tietê. Mesmo caminho que fazem os torcedores corinthianos lá da Zona Leste e que a polícia do estado saberia se tivesse alguma comunicação até mesmo por um walk talk.

Foi neste trajeto que tudo aconteceu. E só quem estava lá saberia me dizer o que tinha rolado. Até que consegui falar com um dos amigos lideranças do movimento, hospitalizado.

- Como você está?
- Sem dente, cabeça cheia de ponto, com dor até para respirar. Talvez tenha que operar a mão e o braço.
- E o que aconteceu?

O que aconteceu foi que a Rocam parou o ônibus dos torcedores do Corinthians para uma revista. E parou quatro carros de corinthianos que estavam junto. O ônibus dos torcedores corinthianos não tinha nenhuma escolta policial porque, segundo a promotoria, eles não são torcedores organizados com CNPJ. Mas são. Torcedores dos Gaviões da Fiel que se reúnem longe da sede. Só que em um Estado de Direito, onde existe uma constituição que alega que é dever desse Estado zelar pela segurança de seus cidadãos, qualquer pessoa física deveria ter garantida a sua integridade física. Não precisaria pertencer a nenhuma associação, agremiação, clube, empresa, fundação, OSCIP, ONG para conseguir chegar viva ao estádio de futebol. A qualquer lugar.

Com a proteção policial negada e sob ameaça de bater e apanhar, provavelmente a mesma que o promotor havia recebido na manhã de quarta, esse grupo de corinthianos resolveu fazer a própria segurança. Gentileza gera gentileza, estupidez gera estupidez.

Ao ver a Rocam parada em frente ao Clube Esperia, dando uma batida policial no grupo de corinthianos, outros 20 policiais da Rocam que trabalhavam na escolta da torcida do Vasco e que não foram avisados que por aquele caminho fatalmente as torcidas se encontrariam, resolveram parar os ônibus do Vasco a fim de evitar esse confronto. Mas pararam muito perto. Aos poucos, eles foram descendo, 800 deles.

Incontroláveis como toda massa enfurecida por uma rivalidade bestial, porém histórica, os vascaínos partiram para cima dos corinthianos. Carregando barras de ferro, armas, paus, rojões e outros objetos que serviram de arma e que não foram tomados pelos policiais da escolta em uma revista que não aconteceu. E massacraram os corinthianos. E mataram um deles atirando o corpo em uma praça que foi palco da comemoração do Campeonato Paulista de 2009, no mesmo dia que o William pegou fogo.

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Eu que estava no estádio, soube disso no dia seguinte, mas não saberia se não tivesse ligado para meia dúzia de amigos e só esperasse a notícia que me dão. O que sei é que, naquela noite - e falo agora como se tivesse passado muito tempo porque será daquelas noites que carregarei para sempre - os 800 torcedores do Vasco que brigaram antes do jogo chegaram atrasados na partida, mas chegaram. Conseguiram entrar no estádio, assistir a partida do seu time que, mesmo perdendo, lutou até o final pela classificação. Mas o Clayton, que morreu nu e desfigurado em uma praça da Zona Norte de São Paulo, não vai conseguir chegar nunca mais.

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Essa é a versão que não é publicada nos jornais, que não aparece na televisão, que não se ouve no rádio, mas que mesmo assim existe. Que é fruto de uma equação tão banal quanto àquela que fez o William pegar fogo na alegria de se comemorar um título. E que, nem por isso, é evitada.

Quem sofre a violência dentro e fora dos estádios sabe quais são os motivos que o levam a ela. Sabe que qualquer violência é fruto de algo muito maior: de uma nação deseducada, desorganizada e cada vez mais desumana; de um Estado omisso, corruptível, impune, burocrático; de uma polícia despreparada, mal paga, preconceituosa; de uma imprensa burra, preguiçosa e reacionária; de um futebol paternalista, aproveitador, interesseiro e explorador.

E sabe justamente o que fazer para combater a violência. Toda a promotoria, comissão de paz, clubes, polícia, torcedores, ministério, imprensa, todo mundo sabe qual é seu papel nessa história. Mas só o que se vê é a repetição dos mesmos erros. E a simplificação das soluções. Porque é muito mais fácil criar uma camisa e um ônibus à prova de fogo do que parar de atear fogo em jogador e matar torcedor, cidadão. Todos nós inflamamos o William. Todos nós matamos o Clayton.

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Leonor Macedo é jornalista, mãe de um menino de quase 8 anos e freqüentadora das arquibancadas do Pacaembu desde pequena. Apesar de tudo o que relata no texto, não desiste de fazer parte de um mundo diferente. Dentro e fora dos estádios.

4 comentários:

  1. Sid e Mandioca como fontes? Sid é da era do Gelo, e o Mandioca eu não conheço a lenda.

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  2. É foda! Esse relato dá até arrepiu... Alguém tem k fazer algo essa violência não pode comtinuar. Quantos mais têm que morrer?

    Eu Uso ---> www.timaoogle.com.br

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  3. http://blogs.lancenet.com.br/alemdojogo/2009/06/05/uma-historia-malcontada/

    Uma história malcontada
    por Marcelo Damato

    A história do choque entre as torcidas na quarta-feira à noite não será esclarecida sem que perguntas sejam respondidas:

    Como dois anos depois de ser fundada a facção Rua São Jorge, dissidência da Gaviões formada por torcedores supostamente mais radicais e violentos, continuou a ser ignorada pela PM, a ponto de não ser incluída no planejamento de segurança que é exigência do estatuto do Torcedor?

    Por que os policiais do comboio que escoltava os vascaínos não foram avisados por outros policiais que havia um ônibus do Corinthians parado à frente?

    Por que a PM não usou balas de borracha e bombas de gás contra os torcedores que estavam brigando?

    Como o corpo de um corintiano que brigou na marginal Tietê foi aparecer na praça Campo de Bagatelle, a 500 m do local do confronto?

    Por que só foram presos corintianos, se o único assassino era supostamente vascaíno?

    Por que a PM e a Polícia Civil, que encontrou o corpo antes de a partida começar, não foi ao Pacaembu, para iniciar ali junto à torcida do Vasco a investigação sobre o assassinato?

    Fiz todas essas perguntas para o promotor de Justiça Paulo Castilho, que cuida da segurança do futebol. A todas respondeu com uma ou outra das frases: “Marcelo, você é um sujeito inteligente” e “A PM tem autonomia para decidir o que deve fazer”.

    A jornalista Leonor Macedo, que é ligada à Gaviões, afirma que o ônibus dos corintianos estava parado na marginal porque estava sendo revistado pela PM, especificamente pela Rocan (batalhão de motoPMs). Castilho nega e reafirma que houve “emboscada”.

    Por fim, Castilho disse que já requisitou à Band imagens de uma reportagem feita com vascaínos no Pacaembu, em que eles mostram pertences do corintiano morto, inclusive casaco, gorro e uma carteira de identificação. Imagens dos objetos foram colocados em site de uma torcida vascaína como troféu de guerra.

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  4. Paulo Castilho é incompetente, arrogante e notadamente anti-corinthiano.
    Essa história tá parecendo aquela dos Estados Unidos, de armas químicas no Iraque, como justificativa para o ataque.
    Não me admira se a "emboscada" realmente existiu, mas não por parte da torcida corinthiana. Porque a proteção desse promotor e da PM para a torcida do vasco causa estranhesa. Depois de deixarem um corpo, ainda foram escoltados confortavelmente para o Pacaembu. Muito estranho. Falarei em outro post.

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